quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

#15


 P.

Está sol, é importante que esteja sol, e sente-se o cheiro da terra a ser queimada devagar, a erva e as árvores como brasas, sente-se o cheiro do sol contra o ar, é importante que esteja sol para que os prédios, o cimento e os vidros brilhem mais, quase magoando: uma luz impertinente, arrogante. E que o sino da igreja toque terrivelmente alto e que isso nos faça rir, é importante que isso nos provoque gargalhadas porque se não nos rirmos disso, o que mais fazer com tanta coisa absurda? E é necessário que a vida toda nos custe como um peso nas pernas, como roupa apertada, do avesso, para que aquilo que possamos dizer tenha alguma casa onde se abrigar, mesmo que não tenha.
Acima de tudo, é importante que esteja sol para que tudo isto seja quando pouca barba na cara, quando camisas sobre camisas e longos casacos verdes, quando café sobre cadernos e palavras sobre pombos  e mulheres e autocarros e comboios e salas húmidas e cadeiras e seiva sobre tampos de plástico e poeira e  sangue e pedras escuras e deus e não deus e a cidade e a morte e a vontade - acima de tudo, a vontade: é importante que esteja sol porque, acima de tudo, a vontade.


5 comentários:

  1. São sempre tão bons e inquietantes os textos escritos por ti.Mais um que me faz lê-lo repetidas vezes até o absorver completamente.Parabéns-

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  2. tanto obrigado, João. se não fosse muito lamechas, gostava de informar que este post me levou ao limite entre só a comoção e o larimejar.

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  3. * lacrimejar. benditos teclados da sala dos computadores ao lado da Cu-li-bri.

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