terça-feira, 24 de maio de 2011

#2

ultimamente, as palavras falham-me em chegar ao som e os meus olhos acumulam o que passa




horas vãos de escada calçadas telefonemas copos gelados os bolsos cheios de pequenos objectos inesperados - um clip papéis com mensagens indecifráveis algum dinheiro um fio negro uma chapa plástica um molho de chaves para várias portas que são várias vidas que somos nós a existirmos mais num sítio e menos noutro mas existindo, ainda assim -, ou ainda lábios madeixas de cabelo malas abertas sem nenhum segredo o rio de relance um jardim de relance um reflexo de relance para assegurarmos que ali se passou uma ferida na mão uma dor devagar num ombro sempre persistindo uma fotografia a ganhar pó com alguém por trás dessa memória e com ela outras coisas amontoadas peças de roupa pelo chão cama cadeira uma tesoura minúscula um pássaro morto paredes semi-desfeitas um punho contra o estuque uma frase a escorrer para o passeio um corpo despido ou um carro de algum modo como um molho de chaves vielas e atalhos sem ninguém um casal abraçado e um casal em silêncio ou um elevador a fechar-se devagar um telefone a tocar uma caneta sem tampa folhas de papel ao longo de uma rua prostitutas derrubadas contra uma parede com um ar cansado carros lentos sob os semáforos ou uma praceta escura e um jardim já com poucas flores um prédio de três andares pessoas deitadas em bancos de jardim uma chaminé de tijolo acima de todos os telhados e gatos devagar empurrando portas




mas nada ou quase nada soa como verdadeiramente real, desoriento-me com frequência e sonho implacavelmente com uma estrutura metálica a pressionar-me a cara, desmoronando-se sem som.

2 comentários:

  1. É impossível não gostar

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  2. Este anónimo sou eu que me enganei no perfil.Não quero confusões de anónimos.

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