terça-feira, 13 de março de 2012

#16


O meu braço está esticado com tanta dor que, do pulso ao ombro, me dá choques por dentro – ora, o meu braço eléctrico por dentro como um homem de sessenta anos sentado na borda da cama sem coragem para olhar a mulher que ainda dorme, a seu lado, e o seu cheiro e o seu corpo desagradável: a mulher a dormir é um caminho demasiado estreito impossibilitando tornar atrás por causa das silvas que o ladeiam, as silvas e os espinhos e a terra a abater-se para uma vala cheia de gente quieta com os braços ao longo do corpo, eléctricos por dentro de dor, castanhos e cinzentos, deitados como peixes secos, como obuses ferrugentos.
O homem de sessenta anos mexe nos joelhos e no lençol que poderá ser creme, que deverá ser creme para ter menos vida: é o meu braço a doer-me por dentro porque está a ser esticado com força para a frente e tenho silvas debaixo da pele a arranharem-me o peito por dentro, além das unhas dos cadáveres nas valas a cravarem-se no meu pescoço, não saio daqui, isto é um poço e eu uma criança caída lá dentro, a boiar entre limos.

(Ouve: as cidades estão longe, são coisas cheias de fotografias a cores ou retratos com vento ao fundo e as fotografias não são espelhos e as cidades, já te disse, são coisas ao longe, não as encontras na borda do corpo da tua mulher.
Chove muito e existem demasiadas pedras gastas onde podemos escorregar sem remédio.)


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