quarta-feira, 25 de maio de 2011

#3

Ter de partilhar o espaço e conversa com pessoas que não conseguem abrir totalmente os olhos como se continuamente ensonadas. Ter em atenção o tom de voz e a postura, evitar os braços descontraídos ou comentários igualmente pendendo ao longo do corpo ou dentro dos bolsos. Ter de fingir rir mas não em demasia que se sabe que um riso demasiadamente prolongado é indício de nenhum riso. Ter de pensar em praia e esplanadas e livros e mulheres despidas de maneira a que exista algum brilho nos olhos indicando que ainda não morremos ou secámos. Fingir interesse em curiosidades triviais ou longas tiradas - e lentas, sempre lentas - acerca da qualidade da comida ou charutos ou licores ou vinhos ou a organização e planeamento territorial de Santarém em 1952. Não bocejar, coçar, espreguiçar, erguer os braços acima do peito. Não praguejar. Manter o olhar o mais próximo possível do olhar dos cães à espera de um biscoito. Aceitar os biscoitos e dar ao rabo. Elogiar sem intenção. Assegurar que em nenhum momento existiram problemas ou exigências absurdas. Aceitar conselhos e opiniões sem responder. Ficar sentado, rebolar e ir buscar os chinelos ou o jornal ou uma cadeira ou um copo de água sempre que pedido. Dar a entender que estamos no nosso habitat, que gostamos do meio, das intrigas, do passado que não compreendemos porque somos demasiado novos e nos faltam anos de vida e experiência. Aceitar e colar na testa expressões como "o jovem", "alternativo". Não ladrar. Não morder a trela. Agradecer sempre. Pedir autógrafos. Nunca cair no erro de permitir a sensação de que estaríamos a envergonhar os nossos pais caso nos vissem numa esterqueira semelhante.



3 comentários:

  1. Imagino-o num qualquer local,por exemplo restaurante chiquerrímo,não sei,talvez?
    Como eu o compreendo meu caro amigo!

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  2. Entre outros locais, caríssimo anónimo, entre outros locais.

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  3. céliasilveirasantos28 de junho de 2011 às 14:38

    Cansaço!!!!

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