segunda-feira, 24 de março de 2014

#25



o que fazer com a vida se o tempo é uma piada sem saída se o desterro parece de vez em quando de manhã com os olhos abertos ao tecto a única resposta sólida a uma urgência terrível de encontrar a imortalidade e para lá da janela mal fechada Lisboa gaivotas a tarde olhar para trás mas olhar para a frente música a dar-nos colo e pernas as travessas de Lisboas as escadinhas os planos para o resto dos anos a vogarem como um enorme cruzeiro por águas mediterrânicas rasgar os dedos em aço à espera de uma resposta à espera de algum sinal de um deus que seja respirar fundo para não ceder respirar fundo para não fugir guardar restos da calçada antes que desapareça restos das fachadas antes que desapareçam restos do que sobra nos copos e nos bolsos antes que sejam arrumados de vez num altar de planície velha e quebradiça teimar contra o corpo que pende para o chão mais longínquo teimar contra o florir do passado teimar porque se quer o sangue o mais quente possível o que fazer com a vida para evita a sucessão de esquecimento irrelevância minúscula pulsão no meio disto tudo como de manhã com a mão sobre o coração a perguntar se é possível que ela rompa e levante vôo o que fazer com a vida para não mais a dormência na superfície do toque como se uma personagem talhada para o ridículo ou como se apenas uma personagem o que fazer com a vida se não nos encontramos como de manhã a força necessária para erguer o tronco da cama a vertigem constante porque há vários mundos a sobreporem-se de imediato é provável que estejamos a perder um segredo enorme e que de manhã o tecto seja na verdade vários tectos ou até mesmo o vôo a pique sobre os telhados desde a senhora do monte porque nada é verdade diante dos olhos é fruto de cansaço ou loucura ou ânsia por sair dos limites que condensam o nome a idade o sexo a  história os limites que prendem de A a B num percurso demasiado estreito para que o percamos em pormenores à beira da vida de A a B com perguntas estúpidas sobre coisas estúpidas o que fazer para que a pele perca esse peso o que fazer com o tecto de manhã uma vez mais a não dar descanso ao silêncio o que fazer com a vida toda que me nasce nos dedos até romper e levantar vôo?