domingo, 25 de março de 2012

#18



à porta de casa

em frente a demolição da escola:
na terra revolvida
trincheira
os rostos e as vozes de antes
adeus,
boa noite
ao vizinho de quem se diz
que bebe demais
que bate na mulher
que bate no cão
enquanto uma televisão
lamento de amores impotentes
vibrando violinos gatos
uma comédia com esgares tremendos
e bandas filarmónicas marchando piscando o olho,

a pensar escrever poemas insuflados
palavras complicadas para impressionar concorrentes
ou
como escrever poemas
com pessoas agredidas na rua
amigos com milhares de quilómetros entres as frases
os bolsos pesados de ar
a boca sufocada em pó
ou
«escrever poemas»
para quê
tantos pormenores
a bordejarem as franjas do coração
se um anzol à língua e a garganta estreita gruta,
adeus ao vizinho a mão no ar
como à escola destruída acenando lento
boa noite às pessoas nas valas comuns.

para quê poemas
se falta o peito contra as balas
se faltam as balas ou a língua.



quarta-feira, 21 de março de 2012

#17



o homem de noite nos olhos cerrados calcula
mas a matemática é confusa:
o homem erra e arrepende-se e erra de novo.

o homem carrega um cristal pesado
na ponta dos dedos,
o homem é fraco,
tem uma sinfonia de palavras e sons
que só ele compreende
e o homem, dizem, não é louco:
é jovem e apto e é mau terreno para flores,
mas o homem tem dores
pela força que faz ao empurrar a manhã
e o homem desespera,
e o homem diz:
enterra
- o passado ou os outros
e visita-os em dias santos,
leva-lhes flores
e fica em silêncio.

o homem à noite é coveiro
ou cova pouco larga.



terça-feira, 13 de março de 2012

#16


O meu braço está esticado com tanta dor que, do pulso ao ombro, me dá choques por dentro – ora, o meu braço eléctrico por dentro como um homem de sessenta anos sentado na borda da cama sem coragem para olhar a mulher que ainda dorme, a seu lado, e o seu cheiro e o seu corpo desagradável: a mulher a dormir é um caminho demasiado estreito impossibilitando tornar atrás por causa das silvas que o ladeiam, as silvas e os espinhos e a terra a abater-se para uma vala cheia de gente quieta com os braços ao longo do corpo, eléctricos por dentro de dor, castanhos e cinzentos, deitados como peixes secos, como obuses ferrugentos.
O homem de sessenta anos mexe nos joelhos e no lençol que poderá ser creme, que deverá ser creme para ter menos vida: é o meu braço a doer-me por dentro porque está a ser esticado com força para a frente e tenho silvas debaixo da pele a arranharem-me o peito por dentro, além das unhas dos cadáveres nas valas a cravarem-se no meu pescoço, não saio daqui, isto é um poço e eu uma criança caída lá dentro, a boiar entre limos.

(Ouve: as cidades estão longe, são coisas cheias de fotografias a cores ou retratos com vento ao fundo e as fotografias não são espelhos e as cidades, já te disse, são coisas ao longe, não as encontras na borda do corpo da tua mulher.
Chove muito e existem demasiadas pedras gastas onde podemos escorregar sem remédio.)