quarta-feira, 13 de julho de 2011

#8



os serões eram estranhamente mornos, dourados.
ficava à porta da sala, sem entrar, a ver as guitarras, o fumo do cigarro do pai, as vozes arrastadas numa língua estranha, a mãe de costas, cantando também mas mais baixo, isto um mundo onde ainda não conseguia entrar.
encostado à ombreira, quase espreitando, sentia uma espécie de vergonha em vê-los tão despreocupados a cantar, os seus troncos balançando devagar, sobre a mesa alguns pratos e talheres, água e bebidas, guardanapos deixados ao acaso e as guitarras continuando devagar, parando, alguns risos, conversas sossegadas - e mesmo que não o fosse, seria sempre Verão porque eram noites aquecidas por dentro.
tudo no lugar certo.
e voltava para o quarto, devagar pelo curto corredor, para que a música durasse mais.



segunda-feira, 4 de julho de 2011

#7



as vezes que se sucedem atrás de vezes que se sucedem e a sairem-nos da boca todos os pesadelos que temos guardados para uma ou outra ocasião em que os possamos trazer à flor da pele - noite dentro de um carro junto a uma ribanceira a desaparecer em folhas e lixo -, uma ou outra vez que sozinhos querendo não estar tão sós não querendo nada ninguém coisa nenhuma nenhum som nenhuma ausência, as porta do carro um braço a impedir a queda e, no entanto, de vez em quando, as vezes que se sucedem e nós com a língua carregada de sons, na garganta frases que arranham demasiado, uma tosse profunda que precisa de ser libertada, vezes que se sucedem atrás de vezes, tanto veneno, tanta coisa maldita,

e de repente os olhos como que rompem uma película aquosa e voltamos a ver, voltamos ao mundo, somos normais, não deliramos, não odiamos ou amamos demasiado, nada demasiado, apenas nós - uma porta fechada a janela aberta alguma música um cigarro a prender-nos ao assento alguém a quem falar ninguém a quem falar e, afinal, não importa.

mentira.